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  • Elisa Ferreira Silveira Ninis

Está cada dia mais difícil escrever Ficção Científica distópica

Atualizado: 20 de ago. de 2021

Pandemias com intervalos cada vez mais curtos, extinção em massa de espécies, governantes autoritários eleitos democraticamente...

Quem vive uma situação só sabe lidar com a mesma após a ocorrência de vários fatos: somente quando a vida se torna história e memórias é que somos capazes de analisar o que de fato ocorreu. As análises científicas dos acontecimentos políticos e sociais do Brasil dos anos de 2014 a 2018 ainda estão sendo vistas e revistas. Os comentaristas políticos que dia após dia analisam a situação com base nas informações disponíveis fazem um trabalho incomensurável de se distanciarem o suficiente da situação para analisá-la de maneira crítica.

Para a pessoa comum, leiga nas ciências sociais e suas ferramentas objetivas, os comentários da situação presente sempre parecem estar fazendo um grande alarde, uma tempestade em copo d'água. Estamos preocupadas com o que iremos comer no jantar e no almoço do dia seguinte, concentradas no nosso próprio dia a dia e cada vez mais necessitando de distrações do daily grind, das atribulações da vida. Esta autora que vos fala entende isso perfeitamente bem.

Voltando na jornada da pessoa humana, podemos começar falando em como o ensino no Brasil não é propriamente um ensino, já que se propõe a saturar alunes em 13 disciplinas obrigatórias voltadas única e exclusivamente à aprovação em cursos de nível superior na faixa dos 17 a 18 anos. Pode ser que para você essa idade pareça razoável para escolher um curso de 4-6 anos que vai determinar os próximos 40 anos de trabalho da sua vida, mas para esta que vos escreve e toda a geração mais nova, essa ideia é inconcebível.

Não existe mais terreno fértil no serviço público, os critérios de seleção celetistas são cada vez mais excludentes, e convenhamos: o advento da internet em massa abriu nossos olhos para a pluralidade de competências, vocações e paixões que alguém pode exercer e monetizar. Mas nunca fomos e ainda não somos ensinadas a sermos autônomas.

Nos tornaram em uma geração de fracassadas e fracassados, pois entendemos muito da realidade ao nosso redor e ainda assim não somos capazes de aplicar as mudanças com nossas próprias mãos: quem não morreu por dentro e se converteu à maçante rotina de apenas ter uma casa-dormitório, está na sala da psicoterapia tentando conciliar a ignorância da massa com a preocupação pelo próprio futuro. Os velhos que não se importam mais são incapazes de compreender que "o futuro" não se trata de 2100, 2200. "O futuro" é 2025, 2030, 2040 e todas essas pessoas ainda estarão vivas [e suficientemente sãs] para testemunhar a desgraça da humanidade e do Planeta A.

Quando nos questionam, usam da ideologia Monogâmica (onde a pessoa representa a onisciência) para forçar e desacreditar qualquer tipo de argumentação aonde a pessoa jovem não seja capaz de dar soluções consistentes para todos os campos de exploração da vida humana - se você não sabe como combater tudo ao mesmo tempo hoje, seu argumento não é mais válido e você está apenas causando alarde. Como se num mundo altamente tecnológico e especializado aonde existem IAs capazes de prever exatamente qual música você quer escutar sem você sequer ter cantarolado uma melodia por dias, qualquer pessoa fosse obrigada a ter todas as respostas. 42.

Criamos computadores melhores do que a nossa imagem assim como fizemos milênios atrás com os deuses, e agora nos comparamos a eles novamente: mas ao contrário da fé ofuscante onde se sabia que aos humanos não era reservado o direito de ascender à divindade, computadores e inteligências artificiais são objetos tangíveis ou intangíveis mas que foram e se propuseram desde o início a serem criações de mãos humanas. E ficou estabelecido no imaginário vulgar que se a mão humana fez, a pessoa humana é capaz de ser melhor.

Assim, nos encontramos em um dilema: ceder e viver uma vida monótona, mas tranquila, não nos importando com os problemas do mundo que parecerão grandes demais e distantes demais para serem resolvidos, ou viver a vida inteira dando murros em ponta de faca e tentando atrair o primeiro grupo para as causas individuais que precisamos nos especializar para resolver. São apenas poucas as pessoas corajosas o suficiente para viver à margem do senso comum, do padrão; são essas as pessoas que sempre estão à frente de histórias de Ficção Científica.

Abra-se o parênteses: a personalidade das pessoas é o que mais importa e em muitos casos, em especial quando falamos de autores que fazem parte de grupos privilegiados teremos muitos personagens homens, brancos, cisgênero, heterossexuais, de porte atlético e viris, e por mais que eles tenham ética e façam parte de narrativas onde não existe discriminação, obras fictícias refletem pedaços da realidade existente criando futuros que almejamos (utopias) ou futuros que devemos nos afastar (distopias).

No dia 2 de julho de 2021 houve um vazamento de gás próximo a um oleoduto no Golfo do México que fez com que a superfície do oceano permanecesse em chamas; eu havia acabado de submeter um dos meus primeiros contos distópicos quando vi as imagens que acreditei serem fruto da imaginação de um roteirista de cinema, mas acho que é mais fácil imaginar um tornado repleto de tubarões do que o oceano literalmente pegando fogo.

























Falava-se muito de robôs se revoltando contra a humanidade quando a presença deles ainda era fruto da imaginação e um sonho distante, mas agora que as máquinas possuem inteligência própria precisamos falar sobre o quanto nós estamos nos sabotando através dos mecanismos que criamos e eu entendo, existe uma mentalidade típica de coach motivacional para sempre dar 1% a mais, não desistir onde os outros perdedores desistem, 1% a mais, 1% a mais, 1% a mais e criamos um vício.

Lógico, ninguém desiste daquilo que acredita ser correto, mas é imperativo olhar para o passado e projetar o futuro- saber que é possível tomar outros caminhos como as personagens da Ficção Científica fazem, quebrando o status quo, investigando o trivial e criticando o óbvio. Ninguém nunca mudou o mundo seguindo sem objeção às regras em vigor.

Eu tiro meu chapéu para autores de gêneros como o Solarpunk por serem capazes de imaginar um futuro próspero não como uma sátira ou parte de um sonho, mas como realidade tangível e alcançável. Com todo o caos avassalador dos anos 2020, projeções assustadoras para o futuro e vivendo na pele os melhores clássicos da distopia quando na verdade deveríamos estar livres de doenças e dirigindo carros voadores manter essa visão positiva é crucial para que não matemos a última a morrer.




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